‘Meu nome é Gal’ decepciona em filme bem aquém de uma das grandes cantoras do Brasil; g1 já viu

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Cinebiografia reconta início da carreira de Gal Costa e relação com ícones da MPB. Sophie Charlotte tem boa atuação em elenco irregular. Diretora Dandara Ferreira vive Maria Bethânia. “Meu nome é Gal”, cinebiografia de Gal Costa com estreia nos cinemas nesta quinta-feira (12), já estava em andamento quando Gal morreu em novembro de 2022, aos 77 anos. Mas a expectativa passou a ser ainda maior após a morte de uma das maiores cantoras da história do Brasil. É uma pena, no entanto, que o resultado se mostre indigno a alguém com a importância de Gal Costa na cultura brasileira.
Com uma vida tão rica de histórias e experiências, é claro que não seria possível mostrar a trajetória completa de Gal em um longa-metragem. Por isso, “Meu nome é Gal” é centrado num recorte dos primeiros anos de sua carreira, quando ainda era Maria da Graça Costa Penna Burgos. Gracinha para os íntimos (interpretada por Sophie Charlotte), deixa a Bahia aos 20 anos e vai para o Rio em 1966 para tentar a sorte como artista.
Assista ao trailer do filme “Meu nome é Gal”
Acolhida por outros cantores como Caetano Veloso (Rodrigo Lellis), Gilberto Gil (Dan Ferreira), Maria Bethânia (a codiretora do filme, Dandara Ferreira) e a atriz Dedé Gadelha (Camila Márdila), namorada de Caetano, Gracinha vai dando lugar a Gal Costa. O filme mostra os envolvimentos amorosos de Gal, sua relação com a mãe, Mariah (Chica Carelli), e sua consagração durante a Tropicália, no início da ditadura no país.
MPB sem bossa
Há diversos elementos que tornam “Meu nome é Gal” uma enorme decepção. O primeiro deles está no fato de que grande parte dos eventos ocorridos entre 1966 e 1971 são mostrados de forma corriqueira e sem maior impacto para o público.
As histórias são contadas de maneira tão apressada que um expectador mais distraído não vai notar a passagem de tempo da trama, ou perceber que os personagens deixam uma cidade para ir até outra. Um exemplo disso é quando Gal e seus amigos deixam o Rio e vão para São Paulo num dado momento: só quem for bem atento verá a diferença.
Sophie Charlotte como Gal Costa numa cena de ‘Meu nome é Gal’
Stella Carvalho/Divulgação
Outro problema é que o roteiro, escrito por Lô Politi (também codiretor), nunca consegue criar situações que potencializam a voz única de Gal. As cenas das gravações de músicas como “Baby” e “Coração vagabundo” nunca evidenciam de forma contundente as qualidades como intérprete, por mais que os outros personagens fiquem repetindo diversas vezes como a voz dela é incrível.
Quando ela canta “Divino Maravilhoso” durante um festival, por exemplo, esse momento especial parece um dia como outro qualquer. Edição, trilha ou roteiro não potencializam as performances da cinebiografada.
Para piorar, o filme tem problemas graves na parte técnica. A pior delas é notada nos momentos musicais do longa. Há um erro gritante na sintonia entre as canções e o movimento labial dos atores. Filmes que contam a história de artistas consagrados não podem falhar justamente nos momentos em que eles “soltam a voz”.
Sophie Charlotte interpreta Gal Costa na cinebiografia ‘Meu nome é Gal’
Stella Carvalho/Divulgação
Além disso, a direção erra em misturar momentos em que Sophie Charlotte é dublada por Gal com outros em que a atriz usa a própria voz para cantar. Um dos poucos momentos em que é achado um equilíbrio é logo na sequência de abertura, quando a atriz encontra o tom certo para entonar uma canção de forma similar à da cantora. É uma pena que isso não aconteça no restante do filme.
Convidada de seu próprio show
Sophie Charlotte em cena de ‘Meu nome é Gal’, filme que estreia em 12 de outubro
Divulgação
Uma questão curiosa é o fato de que tanto a direção quanto o roteiro de “Meu nome é Gal” parecem se importar mais com os personagens que circulam ao redor de Gal Costa do que da protagonista em si. Assim, há algumas partes da história que parecem destacar mais a presença de Caetano Veloso e de Gilberto Gil do que da própria Gal, que fica menos relevante do que seus amigos, como se ela fosse uma convidada ilustre de um show que deveria ser estrelado pela cantora.
A construção não faz o menor sentido, já que o filme foi feito para contar a vida da cantora e, por isso, deveria dar mais ênfase em sua vida e sua trajetória. E isso nem sempre acontece no longa.
Outro elemento questionável da cinebiografia é o uso excessivo de um filtro para simular gravações de uma câmera antiga em cenas em que Gal e seus amigos confraternizam em vários momentos. O recurso é interessante quando usado algumas vezes. Mas quando isso é visto na tela repetidamente chega a cansar e demonstra falta de criatividade na hora da montagem.
A direção de Dandara Ferreira e Lô Politi também se mostra pouco criativa e deixa escapar diversas oportunidades de fazer com que o filme seja bem mais interessante, ainda mais com o rico material que elas tinham nas mãos ao contar um período importante e conturbado na vida de Gal Costa. O mais decepcionante é saber que Dandara já conhecia bastante a cantora por ter dirigido o documentário “O nome dela é Gal”, de 2017.
Dan Ferreira e Rodrigo Lellis interpretam Gilberto Gil e Caetano Veloso no filme ‘Meu nome é Gal’
Stella Carvalho/Divulgação
Ela não demonstra ter a mesma habilidade para comandar um longa de ficção. Em algumas cenas, fica nítida a pouca experiência que ela tem para comandar uma obra fictícia baseada em fatos reais. Um cineasta mais tarimbado certamente conseguiria fazer um trabalho melhor e mais interessante.
Estrela solitária
Mas o que salta aos olhos em “Meu nome é Gal” é a boa atuação de Sophie Charlotte como Gal Costa. A atriz consegue transmitir bem a timidez de Gal em sua fase inicial e como ela muda de atitude com o passar do tempo e com as novas experiências que adquire. Apesar de ser prejudicada pelas falhas técnicas, da direção e do roteiro, Sophie compensa esses problemas com carisma e personalidade.
É uma pena, no entanto, que a maioria do elenco se mostre irregular, com algumas atuações fracas e até mesmo caricatas. O bom ator George Sauma, por exemplo, está com uma performance bem inverossímil como o compositor Waly Salomão (um dos compositores de um dos maiores sucessos de Gal, “Vapor barato”), cheia de caras, bocas e gritos. Isso sem falar no fato de que ele aparece do nada no filme e sai dele do mesmo jeito.
Luis Lobianco e Sophie Charlotte numa cena de ‘Meu nome é Gal’
Stella Carvalho/Divulgação
Quem se salva, além de Sophie, é Luis Lobianco, que interpreta Guilherme Araújo, empresário responsável por lançar a carreira de Gal. O ator costuma roubar cenas em todos os trabalhos que faz e nesse filme não é diferente. Com uma bem-humorada e consistente construção, Lobianco chama a atenção todas as vezes que aparece na tela.
A atriz Chica Carelli, que vive a mãe de Gal, também faz bons momentos com a protagonista, como o momento em que descobre que a filha não se relaciona apenas com homens. As sequências envolvendo as duas são as que melhor mostram a humanidade de Gal que vai além da intérprete.
Com apenas 87 minutos de duração, “Meu nome é Gal” se encerra de uma forma tão abrupta que faz com que a decepção com esse projeto cresça ainda mais quando as luzes do cinema se acendem. Para uma pessoa tão relevante para o Brasil quanto Gal Costa, o filme se revela indigno à vida e à obra da cantora. Quem sabe, um dia, surja um projeto que realmente respeite e entenda de verdade quem Gal foi para música brasileira.

Fonte: G1 Entretenimento